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Do Passado à Terapia: A Evolução do Hipismo e a Revolução da Equoterapia no Brasil

Do auxílio nas caçadas inglesas ao adestramento olímpico, como a parceria entre humanos e cavalos transcendeu o esporte para transformar vidas através da equoterapia.

Monique Mugnol


A relação de afeto entre humanos e cavalos foi sendo estruturada desde os primórdios da civilização, em que a função do animal era bastante diferente da que temos hoje. Colocava o ser humano mais próximo do animal, tendo nele um companheiro para diversas atribuições de sua rotina. O cavalo, que era majoritariamente utilizado como meio de locomoção, de tração, até mesmo como ferramenta rural, passou a ser aliado em tarefas militares, caçadas e exposições.


Os ingleses, em particular, cultivavam apreciação por passeios, corridas a cavalo em campo aberto e a caça à raposa. Durante as caçadas, os cavaleiros perseguiam as presas em campos abertos, superando obstáculos naturais como troncos, riachos e barrancos. A fim de replicar, em ambiente controlado, a emoção e os desafios das caçadas, os ingleses criaram, na segunda metade do século XIX, provas que simulavam estes cenários.


Da locomoção ao esporte

Por volta de 1881, a Real Sociedade de Dublin inovou ao desenvolver uma pista de provas que serviu de molde para as competições atuais. Nesta pista, os conjuntos (nome dado ao par formado por cavalo e cavaleiro ou amazona) tinham que superar quatro obstáculos, sendo dois fixos: uma reprodução de parede de pedras e uma espécie de tanque d’água escavado no solo. 


Originalmente, os cavaleiros mantinham o corpo na vertical, acreditando no equilíbrio proporcionado pelas rédeas e estribos, além da ideia de que esta postura favoreceria a chegada do cavalo ao solo com as patas traseiras, evitando lesões nas patas dianteiras, vistas como mais frágeis. Porém, Frederico Caprilli – cavaleiro italiano que revolucionou o assento de salto – comprovou que, mesmo com esta postura, o cavalo sempre chegava com a parte dianteira tocando o solo primeiro. Então, no início do século XX, Caprilli inovou ao permitir que a cabeça e o pescoço do cavalo ficassem livres durante o salto, sem comprometer o equilíbrio do animal e o deixando mais livre para executar o que foi ensinado. Atualmente, os cavaleiros inclinam o corpo para a frente, seguindo a direção do cavalo durante a transposição dos obstáculos.

Arquivo Pessoa/ Centro Hípico Vale dos Sinos

No Brasil, o hipismo começou a ganhar popularidade no início do século XX, com a criação de clubes, associações equestres e, principalmente, a fundação da Confederação Brasileira de Hipismo (CBH) em 1941, que regulamentou e organizou o esporte no país. A modalidade segue crescendo e ganhando notoriedade aqui, tendo programas de desenvolvimento, competições nacionais e participação em competições internacionais. 


O hipismo foi introduzido nas Olimpíadas de Paris, em 1900, como um esporte de demonstração, sendo inserido na lista de esportes olímpicos de forma definitiva apenas em 1912. A primeira participação da equipe brasileira na categoria foi em 1948 e, desde então, totaliza 20 participações, com 3 medalhas, já tendo vagas garantidas para Paris 2024.


Equoterapia e a relação paciente animal

Embora possa parecer, o hipismo não é um esporte individual, pois para a prática dele é necessária a união entre o cavalo e seu cavaleiro ou amazona. O entendimento do humano a respeito de seu companheiro de prova deve ser amplo, entendendo quais os limites, quais os sinais do cavalo e estabelecendo uma relação de troca, em que um deposita sua confiança no outro.


É por conta desta relação que a prática de equitação passou a ser estudada como uma forma de terapia - em um primeiro momento física e, após, psicológica, ao se perceber que a interação com o cavalo gera diferentes estímulos e benefícios àquele que o monta. Conhecida como equoterapia, esse método terapêutico consiste no uso de cavalos como meio de promover o desenvolvimento biopsicossocial de pessoas com deficiência e/ou necessidades especiais.


O marco inicial da equoterapia no Brasil é atribuído com frequência à criação da Associação Nacional de Equoterapia (ANDE-Brasil), em 1989. A associação foi fundada com o intuito de promover, desenvolver e regulamentar a prática da equoterapia no país e, desde então, a equoterapia tem crescido significativamente, com diversos centros especializados pelo país.


Silvane Dias, psicóloga, psicanalista e equoterapeuta há 26 anos, relata que o movimento tridimensional do cavalo se assemelha ao movimento de caminhar do humano, sendo uma excelente terapia para o desenvolvimento motor, auxiliando no equilíbrio, tônus muscular e fortalecimento. Além disso, os pacientes acabam se beneficiando do vínculo criado com o cavalo, o que facilita a formação de outros vínculos sociais. Devido a estes benefícios, a equoterapia é indicada para pessoas do espectro autista, pessoas com síndrome de down, com alguma dificuldade motora, ou mesmo em processo de recuperação - como parte do processo de fisioterapia. Também, tem expandido a indicação para pessoas com déficit de atenção, hiperatividade e ansiedade, já que pode gerar progresso também no tratamento da ansiedade, no foco, autoestima e confiança.


Arquivo Pessoa/Silvane Dias

Um acompanhante lateral, o cavalo, uma pessoa para conduzir e o paciente - assim se constitui a equipe que irá trabalhar a sessão de equoterapia. Silvane conta que essa configuração se mantém e são mantidas as mesmas pessoas, o mesmo cavalo e o mesmo tempo de sessão, a fim de estabelecer uma rotina e favorecer a adaptação do paciente a esse novo estímulo. A psicóloga acrescenta sobre a importância dos profissionais atuantes na sessão terem amplo conhecimento sobre cavalos, pois são eles que devem treinar o animal e entender quais as características que o tornam adequado para essa aplicação. O treinamento do cavalo de equoterapia é diferenciado, pois envolve o entendimento de que o animal não vai ser reativo a movimentos mais bruscos do paciente, ou mesmo ao uso de bolas e bastões, que pode ser aplicado na sessão.


O paciente de equoterapia nem sempre vai montar o cavalo da forma adequada, pois parte da terapia é o entendimento da questão física, do equilíbrio, envolvendo a melhora de postura, aumento de tônus muscular e coordenação. Silvane aponta que essa, como outras terapias, não prevê um final comum de tratamento, pois o processo de cada paciente diverge dos demais - enquanto alguns precisam seguir o tratamento ao longo da vida, outros podem ter um objetivo específico traçado e, ao alcançá-lo, receber alta. E, devido a essa continuidade, alguns pacientes podem apresentar maior autonomia e entendimento de como lidar com o cavalo, sendo encaminhado ao programa de equoterapia pré-esportiva. Neste programa, o paciente aprende a conduzir o cavalo e andar sozinho, tendo o terapeuta como orientador dentro da pista, e o cavalo sem um guia e sem acompanhamento lateral do paciente. É desse programa que são selecionados os cavaleiros que irão para o esporte para-equestre, salienta Silvane.


Arquivo Pessoa/ Centro Hípico Vale dos Sinos

No hipismo olímpico, as provas envolvem adestramento, circuito completo de equitação e saltos, tendo o Brasil classificado uma equipe de quatro cavaleiros para a competição. Já a modalidade nas paraolimpíadas, incluirá provas de adestramento, para as quais ainda não há definição sobre a classificação da equipe brasileiro na competição.  Em Paris 2024, o hipismo paraolímpico continua a ser uma vitrine para a habilidade, treinamento e parceria entre cavaleiros e seus cavalos. Esta modalidade destaca-se por ser inclusiva, permitindo a participação de atletas com uma ampla gama de deficiências, categorizados de acordo com a gravidade e tipo de deficiência, garantindo uma competição justa e equilibrada.





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